quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Agora são os colonos, ontem era a população, amanhã serão os quero-queros

“Agrotóxicos podem ter matado peixes no Sinos”, assim dizia a manchete do jornal. A reportagem se referia aos desastres ambientais que vêm acontecendo no Rio dos Sinos, matando toneladas de peixes por falta de oxigênio na água, tamanha a poluição.


Já aconteceu há anos atrás. Horrorizados vimos as fotos de um lençol de peixes mortos boiando no rio. Agora em dezembro aconteceu novamente. Da primeira vez houve algum barulho, alguns discursos de “temos que responsabilizar os culpados”, tiraram fotos do lixo que é jogado pelas populações ribeirinhas no rio e viabilizaram um barco para passeios no rio com a intenção de “aproximar a população do rio e diminuir o lixo ali acumulado”. Também fizeram questão de contabilizar o que encontraram no rio na vistoria: doze cachorros, três porcos, dois sofás, algumas cadeiras e outros entulhos não identificados. Todo mundo engoliu esta história, ou se acomodou fingindo que engolia, e a vida seguiu seu bailado para todos na santa paz de Deus.

Desta vez o jornal põe a culpa nos agricultores. A reportagem de 14 de janeiro de 2011 do nosso Jornal NH, dá conta do mal causado pelo uso de agrotóxico nas plantações próximas ao rio. Toneladas de peixes foram mortos, e o biólogo da prefeitura coloca que o manganês encontrado na água, se acumula na gordura do peixe que se consumido pelo homem pode causar problemas neurológicos ao longo do tempo. Ele ainda menciona o pesticida Spirodiclofen que pode causar câncer. A fala do biólogo tem destaque, e até uma moldura, bem no centro da reportagem. Concluindo o que ele diz, eu entendo então que, ou os peixes morreram de câncer ou de problemas neurológicos.

Vou tentar escrever calmamente o que eu penso, outro dia já me chamaram a atenção para a forma passional com que escrevo, o que me deixa apreensiva pois meu objetivo não é induzir ninguém ao que eu penso e sim expô-lo. .

Mas gente, vai dizer que não dá raiva? Então este povo cheio de falácias quer que eu acredite que a falta de oxigênio na água, que levou à morte dos peixes, foi provocada pelo manganês que causa problemas neurológicos no ser humano? Ou o manganês (egoísta que é) consumiu todo o oxigênio só pra ele e por isso os peixes ficaram sem? Mesmo que eu fosse a pessoa mais crédula do mundo não poderia crer, visto que não há lógica nestas explicações!

E outro ponto: que número enorme este de agricultores existe nas margens do rio que causou imenso desastre? Nunca ouvi falar de fazendas tão numerosas à beira do Sinos que tivessem o poder de deixar na água quantidade de manganês suficiente pra tamanha mortandade. Devemos ter aqui uma Souza Cruz ou algo que o valha, e não sabemos, ela se esconde como?

No final da reportagem, depois de crucificarem os agricultores (porque apesar da minha ironia acima, não há aqui Souza Cruz, nem perto, há só uns colonos que plantam e vivem disso), numa nota pequena, o promotor do caso afirma que os peixes morreram por falta de oxigênio, que não foi encontrado presença de agrotóxicos, e que houveram danos hepáticos nos peixes decorrentes da presença de cromo e cobre.

Agora sim, nas linhazinhas do final, encontra-se uma explicação plausível. Plausível mas não confortável. Quem quer comprar briga com as grandes empresas do Vale dos Sinos que despejam seus dejetos químicos e industriais ilegalmente no rio? Muito mais fácil culpar os colonos. E pra ninguém reclamar, anteontem multaram uma fabriqueta de fundo de quintal que fabricava produtos de limpeza como alvejante e sabão líquido. Assim a opinião pública não reclama de que nada foi feito e também as autoridades não precisam lutar com cachorro grande.

Este é um recurso usualmente recorrente nos jornais. E é um recurso psicológico. A forma como apresentam a reportagem, induz o sujeito a memorizar aquilo que está em evidência e levando em consideração a manchete. Ao que está menor e sem destaque é dado menos importância e até uma certa inverdade. Os jornais não estão a serviço da informação, mas sim a serviço deles mesmos e informam o que e da forma como querem, segundo também seu interesses. Eles também não querem peleia com a prefeitura. Os donos de jornais não pensam que se faltar água para a população vai faltar também para a jóia que são as suas famílias? Para seus filhinhos e netos, tal qual os filhos e netos dos pobres?

Eu fico me perguntando será que o dinheiro sempre irá salvá-los? Se faltar água aqui eles buscam na Conchinchina. E quando acabar na Conchinchina também? Comprarão onde? Farão o quê? Será que o dinheiro sempre lhes dará uma solução? Os pobres sempre pagarão esta conta?

Eu gostaria de procurar esta empresa e parabenizá-la pelo seu poder de destruição: 3,5 toneladas de peixes mortos! Fabriquetinha bombástica esta, talvez o Bin Laden a contrate.

Da outra vez a culpa foi da população, desta vez é dos agricultores, quando acontecer de novo vai ser de quem? Dos quero-queros que sobrevoam a área e ali largam despudoradamente seus despojos fisiológicos? Este é um assunto sério e com responsabilidade deveria ser tratado, no interesse da comunidade e seu bem-estar, e não como uma disputa de criança, com pilhérias tão bobas que nem um adolescente de doze anos engoliria. Deveria ser acompanhado com preocupação da solução do problema, e não com vistas a interesses pessoais. É patético que a ditadura militar tenha acabado há tantos anos, décadas até, e continuemos a fazer de conta que não vemos as coisas, continuemos calados com medo de repressão. Ou será pior? Nosso silêncio se dá por conta do comodismo pessoal? Que triste então. Que povo triste que somos. Tristes e medíocres.

Nenhum comentário:

Postar um comentário