sábado, 15 de março de 2025

São Bernardo

É absurdo o quanto a ausência está em todos os momentos. Lendo agora uma crítica negativa sobre um livro me tomou imediatamente o reviver de uma cena do passado. Eu com um livro do pai na mão e ele me dizendo "esse livro não foi escrito pelo Graciliano Ramos". Indignado, se é que se pode chamar o olhar firme dele de indignação, era o máximo que se exaltava. Tão diferente de mim que herdei os genes ruins do outro lado e me inflamo, explodo... Eu já sabia que aquela era a opinião dele, porque ele rabiscou isso em várias partes da capa e contracapa "esse livro não foi escrito pelo Graciliano Ramos". Tudo era colocado na conta de sua doença emocional, era assim que éramos programados e influenciados a pensar. Ninguém veio aqui deter essa pessoa que fazia tão mal ao pai e a nós, muito embora todos depois se legitimaram a julgar nossas escolhas na sobrevivência,se é que podemos chamar de "escolhas". Dito isso, o ponto hoje é a saudade desse ser humano.Revivi a cena com tanta lucidez que parecia poder tê-lo perto novamente. Tantos detalhes dessa existência que tanto amei. Essa brecha que lembrei, sua crítica ao livro, me faz pensar em todas outras opiniões das coisas e da vida que ele com certeza tinha e eu não soube e nunca vou saber. Não é verdade que o tempo acostuma ou acomoda. Quanto mais velha eu me torno, mais sinto falta do meu pai.

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