quarta-feira, 23 de junho de 2010

Mulher perdigueira


"A mulher perdigueira sofre um terrível preconceito no amor.

Como se fosse um crime desejar alguém com toda intensidade. Ela não deveria confessar o que pensa ou exigir mais romance. Tem que se controlar, fingir que não está incomodada, mentir que não ficou machucada por alguma grosseria, omitir que não viu a cantada do seu parceiro para outra.

Ela é vista como uma figura perigosa. Não pode criar saudade das banalidades, extrapolar a cota de telefonemas e perguntas. É condenada a se desculpar pelo excesso de cuidado. Pedir perdão pelo ciúme, pelo descontrole, pela insistência de sua boca.

Exige-se que seja educada. Ora, só o morto é educado.

O homem inventou de discriminá-la. Em nome do futebol.

Para honrar a saída com os amigos. Para proteger suas manias. Diz que não quer uma mulher o perseguindo. Que procura uma figura submissa e controlada que não pegue no seu pé.

Eu quero. Quero uma mulher segurando meus dois pés.

Segurar os dois pés é carregar no colo.

Porque amar não é um vexame. Escândalo mesmo é a indiferença."


Fabrício Carpinejar



 

Sobre o autor
Fabrício Carpinejar é poeta, jornalista e mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS, além de coordenador e professor do curso de Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos. Filho do casal de poetas Maria Carpi e Carlos Nejar, nasceu na cidade gaúcha de Caxias do Sul em 1972. Recebeu diversos prêmios, entre eles o Maestrale/San Marco (2001), Açorianos (2001 e 2002), Cecília Meireles (2002), Olavo Bilac (2003) e Prêmio Erico Verissimo (2006). A Bertrand Brasil publicou também Cinco Marias (2004, 3ª edição), Como no céu/Livro de visitas (2005), Meu filho, minha filha (2007, 3ª edição) e As solas do sol (2ª edição), seu livro de estréia, que foi recentemente relançado numa edição revista. O ano de 2006 foi reservado para O Amor esquece de começar, seu primeiro volume de crônicas, que já vendeu duas edições. Serão reeditados, também pela Bertrand, Terceira sede e Biografia de uma árvore. Carpinejar foi traduzido ao alemão e assinou contratos na Itália e na França. Participou de antologias no México, Colômbia, Índia e Espanha, e vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um dos principais nomes da poesia brasileira contemporânea.

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