domingo, 13 de abril de 2014

Relato da viagem à Brasília

A experiência de Brasília pra mim foi algo sensacional. Estar na cidade que eu imagino o tempo todo através da voz dos entrevistados da pesquisa que eu transcrevo é quase estar dentro de um livro de conto de fadas. Tu vive, sorri e chora com os personagens e de repente está ali, no meio daquele cenário. Foi muito pouco tempo. Pouquíssimo tempo. Estive lá de 10 de março a 18 de março. Foram dias muito intensos...principalmente na minha mente! Ela trabalhava a milhão sempre!
Primeiro que desde que cheguei lá a voz de Renato Russo ficou me ditando suas canções. O TEMPO TODO. Eu conheci Brasília com trilha sonora, sou chique demais!
Fiquei hospedada em Ceilândia, antiga cidade satélite - agora não se usa mais esse termo, o correto é Região Administrativa. Eu já desci na estação com o coração batendo a mil por dentro e infinitamente curiosa pra saber onde era o lote 14. Eu andava pelas ruas e não acreditava que estava ali. Depois eu fiquei sabendo que não existe um “lote 14”. Lá o lote corresponde ao número das casas. Então “lote 14” quer dizer “casa 14”. Qualquer rua pode ter um lote 14. Na época em que Renato escreveu Faroeste Caboclo, Ceilândia tinha apenas nove quadras. Hoje são vinte e cinco. É provável que dentre as nove quadras que existia naquele tempo havia algo muito famoso na frente de um dos lotes 14, algo famoso, uma referência que tanto João de Santo Cristo quanto Jeremias sabiam onde era.
É uma região muito assustadora. Eu pelo menos fiquei muito assustada quando desci ali sozinha. Não porque seja uma região pobre, e nem todos ali são pobres, mas porque as casas são todas gradeadas. Não, tu não estás entendendo, não é que tenha grade na frente de casa em cima dos muros. Não é só isso. Além da grade em cima dos muros, quando há muro, quando não é só grade mesmo, há também um telhado cobrindo o pátio da frente da casa. Ou seja, não tem nem como pular a cerca. As grades são muito fechadas, não tem nem como um gato passar, nem um pombo consegue entrar na casa. Todas as casas seguem esse padrão. Isso, pra quem olha de fora, é muito assustador! Não há crianças brincando na rua, não há pessoas na calçada, nada. É muito vazio, mas um vazio estranho porque as pessoas ESTÃO ali. Elas só não aparecem. O solo é todo barro vermelho. As calçadas não possuem boa manutenção, as praças são meio mal cuidadas.
Aqui um pequeno vídeo que fiz sobre a Ceilândia:

A menina que nos hospedou, a Esther, me explicou que o “Cei” de Ceilândia significa “Campanha de Erradicação das Invasões”.
Em 1969, com apenas nove anos de fundação, Brasília já tinha 79.128 favelados, que moravam em 14. 607 barracos, para uma população de 500 mil habitantes em todo o Distrito Federal. Naquele ano, foi realizado em Brasília um seminário sobre problemas sociais no Distrito Federal. O favelamento foi o mais gritante. Reconhecendo a gravidade do problema e suas conseqüências, o governador Hélio Prates da Silveira (gaúcho de Passo Fundo) solicitou a erradicação das favelas à Secretaria de Serviços Sociais, comandada pelo potiguar Otamar Lopes Cardoso. No mesmo ano, foi criado um grupo de trabalho que mais tarde se transformou em Comissão de Erradicação de Favelas (GDF, 2014, p. única).

[...] Foi criada, então, a Campanha de Erradicação das Invasões – CEI, presidida pela primeira-dama, dona Vera de Almeida Silveira. Em 1971, já estavam demarcados 17.619 lotes, de 10x25 metros, numa área de 20 quilômetros quadrados – depois ampliada para 231,96 quilômetros quadrados, pelo Decreto n.º 2.842, de 10 de agosto de 1988, ao norte de Taguatinga nas antigas terras da Fazenda Guariroba, de Luziânia – GO, para a transferência dos moradores das invasões do IAPI; das Vilas Tenório, Esperança, Bernardo Sayão e Colombo; dos morros do Querosene e do Urubu; e Curral das Éguas e Placa das Mercedes, invasões com mais de 15 mil barracos e mais de 80 mil moradores. A Novacap fez a demarcação em 97 dias, com início em 15 de outubro de 1970 (GDF, 2014, p. única).
Esther me conta que as casas das invasões no Plano Piloto eram pintadas com um “X”, assim determinavam quem ia ser transferido. Quem tinha um “X” na casa sabia que seria removido dali e precisava arrumar suas coisas. Assim se deu a permuta de lugar das pessoas.
Em nove meses, a transferência das famílias estava concluída, com as ruas abertas em torno do projeto urbanístico de autoria do arquiteto Ney Gabriel de Souza – dois eixos cruzados em ângulo de 90 graus, formando a figura de um barril. Nos primeiros tempos foi um drama. A população carecia de água, de iluminação pública, de transporte coletivo, e lutava contra a poeira, a lama e as enxurradas (GDF, 2014, p. única).


Ceilândia
No início era um anexo de Taguatinga. Dependia dos seus serviços e da sua administração. Em 25/10/1989 se torna autônoma e independente, passando a ser então a nova cidade-satélite de Ceilândia. O aniversário da cidade, no entanto, é comemorado no dia 27 de março, porque a pedra fundamental da cidade e a remoção das primeiras famílias ocorreram em 27/03/1971.
O filme “A cidade é uma só?” de 2013 faz uma reflexão sobre os 50 anos de Brasília tendo como pano de fundo a trajetória de moradores da Ceilândia. Carta Capital fala um pouco sobre o filme:

 Em 1970, moradores de favelas surgidas nas cercanias do Plano Piloto do Distrito Federal foram obrigados a sair de lá. A Campanha de Erradicação de Invasões (CEI) expulsou cerca de oitenta mil pessoas e as colocou a mais de trinta quilômetros da Brasília projetada por Lúcio Costa. A área, até então desabitada, ainda não tem uma infraestrutura adequada, e carrega no nome – Ceilândia, a terra da CEI – sua história. O filme A Cidade é uma só? resgata a criação da Ceilândia, surgida a partir destas remoções, e mostra o abismo entre as duas partes da cidade (CARTA CAPITAL, 2014, p. única).
Mas a CEI não foi a primeira campanha de expulsão de moradores. Na região de Brasília e arredores havia povos indígenas que, como em todo território nacional, foram expulsos pelos brancos “civilizados”. Na região onde foram alocados os expulsos do Plano Piloto também havia tribos indígenas e quilombos, que por sua vez foram expulsos para dar lugar aos novos recém-rejeitados.
A Ceilândia é considerada a segunda maior cidade nordestina fora do nordeste, perdendo apenas para São Paulo. Isso porque 70% dos seus moradores são do nordeste. Nas entrevistas eu ouvia falar que Brasília, por ter sido inventada e criada há pouco tempo, é uma cidade sem antepassados, sem “avós” e por isso sem “alma”. Mas já há gerações de pessoas nascidas na região. Na casa onde fiquei hospedada a Esther e seus irmãos nasceram ali, bem como sua mãe também. Já é uma segunda geração de nativos. Os avós eram nordestinos. Falando em Esther e seus irmãos, há outra característica que devo citar. Nas fotos da casa da Esther eu via sempre três crianças brincando, porém Esher me apresentou somente seu irmão chamado Trajano. Esther tem uns 22 anos e Trajano deve ter uns 19. Os dois estudam na UnB Ceilândia e fazem o mesmo curso: Saúde Coletiva. Conversando com dona Rosa, mãe dos dois, ela me contou que tinha outro filho, que era o do meio, que também estudava no campus Ceilândia e um dia depois da aula estava entrando no carro para voltar pra casa e foi interpelado por um rapaz com uma arma. Ele entregou o carro para o assaltante, sem reagir, porém de qualquer forma levou um tiro. E morreu. No estacionamento da universidade. Isso aconteceu há três anos. Acho que talvez isso explique um pouco as casas-jaula que me assustaram tanto quando cheguei: o nível de violência é muito grande.

Eu estava muito curiosa, óbvio, pra conhecer o tal do Plano Piloto. Esther me levou na UnB campus Ceilândia, que é onde ela estuda e onde tem o curso de Terapia Ocupacional. Eu fiquei muito encantada de poder trocar com outros estudantes da minha área. Almoçamos lá mesmo, no RU da UnB Ceilândia. Lá conheci várias pessoas, mas havia um guri que me falava incessantemente do campus Darcy Ribeiro que fica na Asa Norte do Plano Piloto. Eu na verdade nem estava tão a fim assim de conhecer outro campus porque lá não tem Terapia Ocupacional e o mais importante pra mim era conhecer alunos da minha área. De qualquer forma na parte da tarde eu queria conhecer a região e como as gurias iam pra lá acabei indo conhecer o tão falado campus Darcy Ribeiro. De quebra conheci também a rodoviária, “Saindo da rodoviária viu as luzes de natal...”, porque descemos ali para pegar outro ônibus até o campus. Eu ainda não conhecia a rodoviária porque mesmo tendo ido de ônibus daqui do sul até Brasília eu desembarquei na nova rodoviária, que é a Rodoviária Interestadual que fica bem ao sul da Asa Sul. Na época do João de Santo Cristo ele desembarcou na rodoviária do meio do Plano Piloto mesmo, que era onde todos os ônibus intermunicipais ou interestaduais desembarcavam. A Rodoviária Interestadual é nova, tem poucos anos. Por isso pra mim era mais significativo conhecer a rodoviária do meio do Plano, afinal, o Renato continuava cantando o tempo todo no meu ouvido me fazendo lembrar dos lugares que eu precisava conhecer. Lugares que desde criança eu ouvia ele celebrar e cantar. Da Ceilândia até o Plano Piloto são 28 km:

De Ceilândia até o Plano Piloto 

O Google Mapas diz que de carro o percurso é feito em 28 minutos. Só que não. O trânsito, como já pontuou marcadamente Roberto da Matta na entrevista que transcrevi, é extremamente cheio. De ônibus levamos em média, em horário que não seja de pico, uma hora. Há também o metrô que leva em torno de 50 minutos pra fazer o trajeto.
A Unb Darcy Ribeiro é enorme. Como tudo no Plano Piloto. A gente cansa de andar. Em alguns prédios e institutos só indo de ônibus, ou seja, pegando outro ônibus para chegar de tão extensa que é a área do campus. A biblioteca é linda! Os degraus da Biblioteca Central são decorados com lombadas de livros, como se a escada fosse feita de livros empilhados.


Biblioteca Central UnB
Há uma área verdade imensa entre cada prédio. É como se fosse muitas Unisinos copiadas e coladas uma ao lado da outra. Imagino que umas sete ou oito. O Plano Piloto é imenso. E isso ainda é vago. Não tem como, ou eu não articulo palavras suficientes pra demonstrar a imensidão das coisas lá. Os prédios são muito grandes. Entre os prédios há uma vastidão de áreas verdes. Isso eu sabia, vários entrevistados criticavam a quantidade de área verde sem opção de lazer, de encontro. Mas eu discordo deles. A própria área verde é uma oportunidade de encontro. Na minha opinião o que acontece é que as pessoas não querem se encontrar. Elas têm mais o que fazer. Os ricos tem opções muito melhores do que fazer piquenique na grama, os pobres não moram no Plano Piloto. Uma das entrevistadas disse que não há lugar pra fazer caminhadas em Brasília. Como que não? Só da rodoviária até o Congresso Nacional são 2,6 km. Só nessa brincadeira, ida e volta já são mais de cinco quilômetros! E todo esse trecho passeando pela Esplanada dos Ministérios, toda gramada, linda! Isso é só um pequeno exemplo. Há diversas outras oportunidades de fazer caminhada. Como tudo é grande tu olha de longe e acha que é bem pertinho. Nessa miragem de tamanho eu caminhei que nem uma louca! Saí da Feira da Torre querendo ir pro Memorial JK. Eu sabia que era próximo, porém não sabia se dava pra ir a pé ou pegava um ônibus. Então pedi informações na feira. O senhor que eu interroguei me respondeu que “é muito variável, por exemplo, tá vendo o estádio [Mané Garrincha] ali? Então, é perto e nem tem ônibus daqui até ali e são dois quilômetros. Eu não pegaria ônibus pra ir pro memorial”. Daí eu não peguei. Andei por tanto parque, tanto jardim que nunca se acabava que quem se acabava era eu. Sabe quanto eu andei? Cinco quilômetros e duzentos metrinhos! Tá, tudo bem que o caminho foi maravilhoso, passei pelo Palácio do Buriti, pela Praça do Buriti que é linda demais, mas sinceramente se eu soubesse que era tudo isso, tinha pego um ônibus! ;)
Eu olhava pras ciclovias no caminho e ficava pê da vida de não ter trazido a bici! Eu perguntei pra Esther o que ela achava de eu levar bicicleta. Eu queria levar porque os entrevistados falavam tanto que em Brasília só dava pra se locomover de carro que eu fiquei pensando que era uma forma de eu poder transitar e conhecer a cidade já que não tenho carro, onde carro anda bicicleta anda, oras! Eles diziam também que eram ruas de trânsito rápido, que era uma competição de Fórmula 1 dentro da cidade. Essa parte me deixou apreensiva. Consultando Esther ela me disse que seria complicado mesmo andar de bicicleta lá. Daí chego lá e tem ciclovia pra tudo que é lado, NO METRÔ ELES DEIXAM ENTRAR DE BICICLETA, e eu ali, andando que nem uma doida perdida no deserto. Não sei de onde tiraram que não dá pra caminhar ou andar de bicicleta em Brasília. Gente, é o que mais dá pra fazer!
Então isso me faz pensar que tudo depende do olhar. Que tipo de caminho eles precisam pra andar de bicicleta ou caminhar? Que tipo de área verde eles precisam pra lazer? Não sei o que querem, cada um tem sua visão. A minha visão é de que isso, pelo menos no Plano Piloto, não falta. Mas como disse antes, quem mora no Plano talvez tenha outras opções. E isso é visto em todos os lugares e momentos. E estou falando de desigualdade social. Além do Renato cantando pra mim eu também ficava ouvindo os entrevistados. Lembro de um deles falando que numa ponta está os que não possuem as necessidades básicas sanadas, no outro estão pessoas que possuem no “quintal” de casa campos de golfe, jardins zoológicos. Como assim, senhor? Assim. É só olhar pra ver. A desigualdade tá tão clara que chega a ser pornográfica. As pessoas se apinhando no metrô, se desesperando pra vender nas suas barraquinhas de camelô. Outros correndo em seus carrões, indiferentes, completamente indiferentes ao resto. Tu nota já no olhar. É um olhar de “luta pela sobrevivência” que as pessoas têm no comércio dos pobres (que foi o que eu frequentei). Ali naquele olhar tem raiva, tem revolta, tem desespero, tem um pedido pra que tu compres, tem indiferença e cansaço. São muitos sentimentos. E isso acaba refletindo no tratamento. Pra quem vem de Pelotas, que é uma cidade que também não preza muito pelo bom atendimento no comércio, eu não me apavorei. Mas claro que observei, porque na minha cidade os atendentes te tratam bem, os vendedores se esmeram pra te conquistar e isso eu sempre estranhei aqui em Pelotas.
Eu fiz a visita guiada no Congresso Nacional. Foi única! Foi maravilhosa! Foi incrível! Espalhadas pela casa há diversas obras de Athos Bulcão, Le Corbusier e Mies Van der Rohe. A guia vai explicando cada uma, vai contando a história dos painéis e vai falando do funcionamento do congresso. Como era um dia que não iria haver votação nós pudemos entrar nas plenárias do Senado e da Câmara dos Deputados. Fomos primeiro na última. O grupo de guiados era composto por mim, um homem da minha idade e um senhor mais velho de cabelos brancos lá pela casa dos 60 anos. Entramos e nos sentamos para assistir. Um deputado estava fazendo uma fala sobre a Comissão da Verdade e sobre a tortura na ditadura. Perto de mim os dois homens começaram a cochichar sobre o que viam. E eu, impregnada daquilo tudo, do significado de estar no ambiente político de maior instância nacional, por ouvir as palavras sobre a ditadura, por ver o homem jovem e o velho conversando, eu lembrei daquele que me deu a base sociológica pra ser a pessoa que sou e estar ali naquele momento. E eu invejei tanto aquele homem jovem! Como eu queria que o pai estivesse ali naquele momento pra também cochicharmos sobre o que víamos e ouvíamos. E não consegui me controlar e comecei a chorar. E estou chorando agora. E choro sempre que lembro disso. De todas as vezes que sinto a falta do pai durante todo o dia, durante todo esse tempo de saudade, essa foi uma das mais doídas. E ainda dói só de lembrar o quanto eu queria ele ali comigo naquele momento. Eu nem sei falar direito a imensidão desse desejo de ter ele ali do meu lado na Câmara dos Deputados. É como se eu estivesse vivendo algo que faz todo o sentido, mas que só ele entende, só ele sabe. Eu não sei dizer. Mas sinto, sinto tão forte a minha mágoa por terem levado ele de mim. E de todos os momentos, e foram bilhares de momentos, esse foi um dos que mais doeu por não ter ele comigo. Sabe, nem na minha formatura eu acho que vai doer tanto. Porque o pai era um desses gaúchos da terra, simples, que não se deslumbra por cerimônias ou qualquer outro tipo de ostentação. Mas ele era um homem extremamente politizado e politizado no sentido que José Mujica - atual presidente do Uruguai - fala, de que política é pra fazer pelas pessoas, pelo melhor do mundo e dos povos, de fazer o bem. O pai queria um mundo melhor, ele sabia que esse é o real sentido da política e ele impregnou isso em mim. E eu queria ele ali comigo na Câmara dos Deputados porque pra gente isso tem o maior significado do mundo!
[...]
Quando chegamos no Senado quem estava falando – pra minha infelicidade – era Ana Amélia Lemos. Nossa, a mulher mais hipócrita do mundo! Mas pra minha felicidade quem estava presidindo era o senador Paulo Paim! Queridão! Pena que não podia tirar fotos... L
Tem pouca mulher no Congresso. Eles fizeram o “Mês da Mulher no Congresso”, então havia vários eventos, debates, um mural com todas as mulheres que foram deputadas ou senadoras. Mas somos em número tão irrisório perto dos homens. Precisamos mudar isso. Precisamos fazer valer nossa voz, nossa presença, nosso olhar, nosso jeito, nossa vida.
Influenciada pela pesquisa sobre Brasília e pelo conhecimento que acabei adquirindo transcrevendo as entrevistas, houve lugares que eu fiz questão de ir, mesmo não podendo entrar e visitar. Foram o Catetinho, primeira residência presidencial em Brasília, o Palácio da Alvorada, atual residência presidencial, onde mora nossa presidenta Dilma Rousseff. Não tive tempo de ir até a Granja do Torto, onde Lula morou. Ali eu teria chorado de emoção com certeza!
Como já comentei foi um longo caminho a pé para chegar no Memorial JK. Depois de tudo que eu havia escutado desse homem eu precisava conhecê-lo mais a fundo. Há muita coisa escrita sobre as intenções de Juscelino ao construir Brasília, mas eu sempre sinto falta de saber o que ele sentia de verdade. Ele impulsionou o agronegócio sem dúvida, e essa é uma fala recorrente nas entrevistas. Será que além de todos os outros motivos ele tinha uma intenção pessoal-financeira com isso? Não sei responder essa pergunta. O que percebi é que foi uma luta. Uma luta com muita gente. Uma luta com as dificuldades. Uma luta pra conseguir verba pra construção. O gasto era imenso porque as dimensões da cidade eram e são, a meu ver, faraônicas, e também porque o transporte era difícil, não havia acesso, era tudo mata. No Memorial eu conheci também um pouco da família do presidente que construiu Brasília. As duas filhas e a esposa. Dona Sarah Kubitschek me impressionou. Eu sempre achei que o hospital referência no país que leva seu nome era só uma homenagem para agradar ao marido. Sempre achei que era só um puxa-saquismo. No Memorial eu descobri que na verdade dona Sarah sempre, desde os tempos de primeira-dama de Minas Gerais, esteve envolvida em obras sociais. Quando chegou a Brasília ela inventou de criar um centro que atendesse deficientes físicos. Algo tão inovador para a época que nem sei como dizer. Sim, por diversas vezes nesse meu relato me faltam palavras, porque as coisas que vivi e conheci em Brasília me impactaram tanto que por vários momentos é difícil pra mim transcrever em palavras. Mas gente, acompanha comigo. Hoje, ano de 2014, a deficiência física ainda é um tabu, ainda é relegada, ainda é discriminada, ainda é segregada. Imagina em 1960! Ela juntou outras mulheres, fez campanha pra angariar dinheiro, buscou parcerias e fundou o centro de atendimento aos deficientes físicos. Que no fim das contas é hoje o Hospital Sarah Kubtschek. Então o nome é mero reconhecimento do trabalho e não outorga pelo marido.
Eu, dona Sarah e seu Juscelino
Na frente do Memorial JK tem o Memorial Indígena. Eu cheguei antes no Memorial Indígena que estava no caminho da minha longa caminhada. Na parede lateral do prédio, tem uma placa dizendo que o setor de informática leva o nome de Mário Juruna. É a única referência a ele. Como um memorial indígena não conta a história do homem que mais lutou pelos índios e único a representar seu povo no Congresso Nacional? Tu sabes quem foi Mário Juruna? Juruna foi um baita cidadão brasileiro que lutou pelos direitos do seu povo. Elegeu-se deputado e cobrava melhorias para o povo indígena. Foi ridicularizado e infantilizado. Ninguém cumpria o que lhe prometia. Por isso Juruna andava com um gravador pelos corredores do Congresso, ele dizia que “Homem branco não tem palavra”. Todos riam dele, desde a sua atitude diferente, seu corte de cabelo, até sua vestimenta nativa e acessórios, tudo era motivo de chacota. Morreu pobre, com dificuldades de saúde e esquecido (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u34751.shtml).
Filho do cacique Xavante Apoenã, nasceu na aldeia próxima a Barra do Garças (MT), em 1942. Após viajar por boa parte do Brasil, na década de 70, passou a percorrer os gabinetes da Fundação Nacional do Índio, em Brasília, lutando pela demarcação Xavante. Foi então que se tornou famoso: jamais era visto sem seu gravador, “para registrar tudo o que o branco diz”. Foi eleito deputado federal e, durante o mandato (1983-1987), criou a Comissão Permanente de Índios na Câmara, além de realizar o primeiro Encontro de Lideranças Indígenas no Brasil, reunindo 644 caciques de todo o país. Ao final de sua carreira política, passou a ter muitas dificuldades para viver. Juruna morreu na pobreza em 18 de julho de 2002 devido a complicações decorrentes do diabetes (MEC, 2014, p. única).

Juruna
No filme “Juruna, o Espírito da Floresta” é retratada a vida de Juruna. O cineasta brasiliense Armando Lacerda, ganhou o Prêmio União Latina na 23ª edição do Festival de Cinema Latino-Americano de Trieste. O filme fala da luta dos índios Xavantes e a vida do único indígena a ocupar uma cadeira no Parlamento brasileiro. Baseado na biografia dada pelo filho Diogo Amhó, o documentário levanta as diferenças que separam e estigmatizam os povos indígenas brasileiros, propiciando uma reflexão sobre a conjuntura político-social do país nos últimos cinquenta anos (MEC, 2014). Dentro do Memorial Indígena não há nenhuma referência à Juruna, o que achei absurdo. A placa está ali fora, do lado, meio escondida, só pra dizer que lembraram. É um contrassenso!

Galdino Jesus dos Santos
Também não há nenhuma referência ao índio pataxó Galdino Jesus dos Santos que morreu queimado vivo num ponto de ônibus de Brasília incendiado por garotos ricos da cidade. Galdino também era militante indígena e estava em Brasília junto com oito delegações indígenas para uma reunião com líderes de movimentos e políticos para solicitação de melhorias para os índios. O ponto de ônibus em que ele foi cruelmente assassinado transformou-se numa praça, chamada Praça do Compromisso. Na praça há uma obra de arte representando um homem pegando fogo vivo.
O que tem no Memorial Indígena é uma amostra de tudo que eles, nas diversas tribos e povos, produzem. Amostras de cestos, colares, vestimentos, utensílios de preparar alimentos, etc. É uma exposição. Quase um tipo de zoológico. Acho que podia ter mais vida, mais sangue, mais história!
Aqui um videozinho que fiz quando estava chegando – finalmente! – no Memorial Indígena e Memorial JK: 

Eu adquiri esse hábito no México, fiz vários vídeos pra quem estava aqui poder acompanhar e de certa forma estar lá comigo. Por motivos de força maior fiz só dois lá em Brasília.
Sobre a indefinição que ouvi nos áudios, se Brasília é o Plano Piloto ou Brasília é todo Distrito Federal, ela existe também na população. A maioria acha que Brasília é todo Distrito Federal e que as cidades satélites que são agora regiões administrativas são uma coisa só, é tudo Brasília. Eu não tive tempo de entender porque há esse desejo de querer que seja tudo uma coisa só, visto que percebi que o pessoal da Ceilândia tem muito orgulho de ser da Ceilândia.
Acho um absurdo não existirem eleições diretas para prefeito. As cidades satélites (eu resolvi chamar assim, acho melhor, não sei porque mudaram pra RA) não possuem vereadores! Isso me choca. Ceilândia tem 400 mil habitantes. Como uma cidade com 400 mil habitantes não escolhe seu dirigente? Como uma cidade com 400 mil habitantes não tem vereadores? Como a população cobra suas demandas? Isso é um absurdo e mantém o povo afastado das decisões políticas. Mantém o povo desorganizado, desarticulado e alienado dos trâmites da gestão. Taguatinga possui 220 mil habitantes, Samambaia tem 200 mil, Gama tem 127 mil, Sobradinho 85 mil, Núcleo Bandeirante 26 mil, Planaltina tem 165 mil, etc. São cidades grandes!

Lista das Regiões Administrativas e população respectiva:

1.    RA I Brasília: 214 mil hab – Fundação em
2.      RA II Gama: 127 mil hab – Fundação em 12/10/1960
3.      RA III Taguatinga: 221 mil hab – Fundação em 05/06/1958
4.      RA IV Brazlândia: 53 mil hab – Fundação em 05/06/1933
5.      RA V Sobradinho: 85 mil hab – Fundação em 13/05/1960
6.      RA VI Planaltina: 165 mil hab – Fundação em 19/04/1859
7.      RA VII Paranoá: 46 mil hab – Fundação em 10/12/196
8.      RA VIII Núcleo Bandeirante: 26 mil hab – Fundação em 19/12/1956
      9.      RA IX Ceilândia: 400 mil hab – Fundação em 26/03/1971
10.  RA X Guará: 112 mil hab – Fundação em 21/04/1969
11.  RA XI Cruzeiro: 63 mil hab – Fundação em ?
12.  RA XII Samambaia: 220 mil hab – Fundação em 25/10/1989
13.  RA XIII Santa Maria: 123 mil hab – Fundação em 10/02/1990
14.  RA XIV São Sebastião: 100 mil hab – Fundação em ?
15.  RA XV Recanto das Emas: 160 mil hab – Fundação em ?
16.  RA XVI Lago Sul: 24 mil hab – Fundação em ?
17.  RA XVII Riacho Fundo: 52 mil hab – Fundação em ?
18.  RA XVIII Lago Norte: 29 mil hab – Fundação em ?
19.  RA XIX Candangolândia: 16 mil hab – Fundação em ?
20.  RA XX Águas Claras: 135 mil hab – Fundação em ?
21.  RA XXI Riacho Fundo II: 38 mil hab – Fundação em ?
22.  RA XXII Sudoeste/Octogonal: 46 mil hab – Fundação em ?
23.  RA XXIII Varjão: 5 mil hab – Fundação em ?
24.  RA XXIV Park Way: 25 mil hab – Fundação em ?
25.  RA XXV SCIA - Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (Cidade Estrutural e Cidade do Automóvel): 25 mil hab – Fundação em ?
26.  RA XXVI Sobradinho II: ? mil hab – Fundação em ?
27.  RA XXVII Jardim Botânico: 25 mil hab – Fundação em ?
28.  RA XXVIII Itapoã: 50 mil hab – Fundação em 03/01/2005
29.  RA XXIX SIA - Setor de Indústria e Abastecimento: 45 mil hab – Fundação em ?
30.  RA XXX Vicente Pires: 70 mil hab – Fundação em 26/05/2009
31.  RA XXXI Fercal: ? mil hab – Fundação em 29/01/2012
Fonte: Wikipédia

Brasília foi uma experiência única que deixou marcas profundas em mim. Sou muito grata por essa experiência, por ter tido a oportunidade de já estudar a cidade antes de ir pra lá, de ter conhecido o Congresso Nacional. Penso que todos cidadãos brasileiros devem ter oportunidade de conhecer o Congresso. Meu comportamento já mudou, afetado pelo que ali vivi. É muito mais interessante assistir as plenárias pela televisão quando tu sabe como funciona, quando tu esteve lá, quando tu aprendeu sobre os trâmites. Antes, por mais desejo de me manter informada, eu não tinha paciência e achava muito moroso as filmagens pela televisão. Isso mudou em mim! E fico pensando o quanto era importante que todas as crianças visitassem o Congresso com suas escolas. Todas as crianças do Brasil. Imagina o povo politizado e atento que teríamos? O mundo certamente ficaria melhor!



Referências
GDF. Governo do Distrito Federal. Conheça Ceilândia RA-IX. Disponível em: http://www.ceilandia.df.gov.br/sobre-a-ra-ix/conheca-ceilandia-ra-ix.html  Acesso em 07/04/2014 16:19. 2014.
CARTA CAPITAL. “A Cidade é uma só?” escancara desigualdade de Brasília. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/cultura/201ca-cidade-e-uma-so-201d-escancara-desigualdade-de-brasilia-7359.html   Acesso em 07/04/2014 16:43. 2014.
MEC. Ministério da Cultura. Juruna, o Espírito da Floresta. Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/2008/10/20/juruna-o-espirito-da-floresta-e-premiado-na-europa/ Acesso em 07/04/2014 19:15. 2014.

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