quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Cheiroso

No final de 2014 eu fui até o Bourbon com a gurizada de bici. Ia pra comprar um presente, deixei as maluquinhas amarradas do lado da bici, entrei correndo, saí correndo, e a Trekking tava fazendo a mesma gritaria de quando entrei. Que filha mais fiasquenta que eu tenho!
Na volta seguimos pela Nações, na "ciclovia". Em frente à Florauto tinha uma cachorrinha cor de caramelo com uma perfuração feia no quadril, muito prostada. Como eu tava com a Guria e a Trekking e de bici, sem o triciclo, não pude pegá-la. Fui pra casa, peguei o triciclo e voltei com a Bia para resgatá-la. Procuramos muito e não encontramos. Nessa procurada, invadi um terreno baldio cheio de mato e vi que no fundo tinha umas pessoas. Gritei um "Oi" e um senhor veio do meio do mato ver o que era. Perguntei se tinha visto uma cachorrinha caramelo, machucada, etc. Enquanto isso uma coisinha peluda preta ficou fazendo festa em roda da gente. Ele disse que era dele. Me respondeu que não viu a caramelo, mas que se visse daria um jeito de pegá-la, se eu quisesse.  Claro que aceitei e voltei no outro dia, e durante a semana, mas nunca mais a encontramos. E nisso acabamos nos encontrando pela rua também, eu nunca o esqueci, estava sempre com a coisinha faceira em volta dele ou dentro do carrinho de mercado que ele usava para recolher lixo reciclável, seu ganha-pão.
Acho que eu estava tão preocupada com a cachorrinha caramelo, tão nervosa, que fiquei na cabeça que a coisinha peludinha e preta do seu Mauro era fêmea também.
Há umas semanas passei ali no terreno e vi que estavam cercando tudo. Nesse terreno tinha uma pedaço de telhado, de uns 3 metros quadrados, mas que os protegia um pouco das chuvas e sereno. Fiquei preocupada, pra onde eles iriam, onde dormiriam? Não o encontrei mais na rua como de costume. Mas não fui até lá pra saber, a vida, o cotidiano, as coisas a fazer, etc...
No início desse mês encontrei os outros moradores de rua, companeiros do seu Mauro, com a coisinha peluda dele, e ela fazendo festa com quem passava, mas como seu Mauro não estava junto, fiquei com cuidado de perguntar pra onde iriam, achei que seria invasivo, afinal eles não me conheciam.
Então vi essa publicação na semana passada:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=907180392636939&set=o.263054940405828&type=1&theater
Tosca que sou, achando que a coisinha peluda do seu Mauro era fêmea, fiquei intrigada com a semelhança, mas deixei pra lá.
Hoje, "por acaso", perdi o ônibus para o trabalho e na espera pelo próximo seu Mauro passou. Eu o chamei, disse "lembra de mim? da cachorrinha caramelo que eu procurava? eu encontro o senhor às vezes na rua", ele lembrou sim, sorriu. Perguntou se eu sabia da maldade que fizeram com o seu cachorrinho, que haviam jogado no valão. Eu fiquei branca, levei um susto. Ele me falou isso com uma tristeza que eu não conseguia responder. "É, o Cheiroso. A gente chamava ele assim porque ele não era cheiroso, era o contrário" e sorriu triste. Disse que ele havia fugido e se perdido deles, eles não tinham mais um lugar fixo pra dormir agora. Depois contaram para o seu Mauro que uns guris pegaram ele e o jogaram no valão, "Ele era muito dado, ia com todo mundo", mas que havia sido resgatado e adotado por uma família de Porto Alegre. "Ele tá bem, vai ser melhor pra ele", mas todo seu corpo me contava da sua saudade. "E pro senhor, seu Mauro, como que tá isso?". Ele me olhou com os olhos úmidos: "A gente sente falta, né? O bichinho sempre com a gente..." e não termina a frase. "Ele tava sempre comigo, aqui a corretinha dele. Mas não ficava amarrado, andava na minha volta e quando eu tava com pressa eu colocava ele dentro do carrinho, tem que cuidar por causa dos carros".
"Era, era, o seu cachorrinho?", gaguejava eu. Não sabia o que dizer, minha cabeça estava uma confusão. Eu fiquei tão triste, que a felicidade de ter reencontrado o seu Mauro e saber notícias deles quase que acabou. Era tão linda a amizade dos dois! Eu me deliciava de ver. Gente com casa e comida não dava tanto carinho pros bichinhos como o seu Mauro dava pro, agora sei o nome e o sexo, Cheiroso.
Eles estão dormindo na rua, o grupo de catadores que dormia no terreno baldio, onde conseguem, onde não são enxotados. Seu Mauro está doente, vai precisar se hospitalizar e se resigna com a falta do amigo: "Ele vai estar melhor cuidado".
Cheguei em casa do trabalho e fui procurar essa publicação. Não .sabia o que ia fazer. Bem louca, daquele jeito Cíntia de ser. Quem sabe ele não tivesse sido adotado ainda, quem sabe a família era de Novo Hamburgo, quem sabe o seu Mauro pudesse pelo menos se despedir do Cheiroso? Mandei mensagem pras pessoas que o recolheram. Falei com um deles. E ele disse a frase que eu sabia que ia ouvir e também sabia que ia me machucar muito: "Cuidava tão bem que ele foi parar no valão". Eu não sei responder a isso, porque muitas alternativas me vêm. Dar um soco na cara dessa torpeza toda, chorar, sair correndo, perguntar aos céus porque as pessoas são tão cruéis e julgam com tanta facilidade, etc... Porque os grupos estão cheios de publicações de cachorros que fogem de casa, CHEIOS, como se pode julgar o dono de um cachorro que NÃO TEM CASA? Se os ricos sofrem a fuga de seus animais, todo o tempo, são inúmeras publicações, por que uma pessoa que não tem nem um pátio pra guardar a si e ao seu amigo é julgada e condenada?
Eu só fico triste que um cachorro precise ser jogado no valão pras pessoas adotarem. Várias postagens de filhotes pra adoção e só querem se for de raça. Nesse caso ele não precisava de adoção, precisava voltar pro dono. Façam o que quiserem, levem ele pro pet mais caro da capital, comprem uma cama de ouro pra ele, a comida mais cara, ELE NUNCA VAI ESQUECER O SEU MAURO. Porque cachorros não se importam com isso. Quem se importa com isso são vocês.
Me dói pensar que as pessoas acham que têm o poder de deus, de decidir que um mais rico tem mais condições e os laços afetivos não importam. Me dói demais pensar que um desses "deuses" pode pegar uma das minhas filhas - e a Guria adora fugir - e dar pra alguém com mais dinheiro que eu. Você daria um filho pra alguém com mais condições financeiras que você? Isso é argumento? Isso é motivo?
"Um cachorro não precisa de carrões, de casas grandes ou roupas de marca, um graveto está ótimo para ele. Um cachorro não se importa se você é rico ou pobre, inteligente ou idiota, esperto ou burro. Dê seu coração para ele e ele lhe dará o dele". (Marley e Eu)



Nenhum comentário:

Postar um comentário